Inovação: Com fazenda marinha, Arraial do Cabo se torna novo polo de cultivo de vieiras no estado do Rio de Janeiro

Projeto da ONG Lagos em Ação impulsiona maricultura e turismo sustentável no município cabista. Foto: Patrick Gomes/ PRIO

Conhecida pelos cenários encantadores e uma vasta biodiversidade marinha, a cidade de Arraial do Cabo tem sido palco de diversos projetos voltados para o estímulo da maricultura, produção pesqueira e do turismo sustentável. Dentre os responsáveis por estabelecer ações nos mares cabistas durante os últimos anos, a Organização não governamental (ONG) Lagos em Ação ganhou destaque ao iniciar, em meados de 2022, o Projeto de Maricultura Multitrófica, em uma fazenda marinha localizada na reserva extrativista (RESEX) da Praia do Forno.

Criada em 2020, a fazenda marinha da Lagos em Ação foi a primeira de Arraial do Cabo, e é a única até o momento. Inovando em dose dupla, o aquário natural utiliza a técnica de cultivo multitrófico – onde várias espécies são criadas em conjunto – e abriga espécies de peixes, algas e três tipos de moluscos, entre os quais estão as tão famosas vieiras.

Parecida com a ostra, a vieira é uma espécie altamente valorizada pela gastronomia brasileira, mas, devido às alterações climáticas, tem passado por problemas de cultivo no estado do Rio de Janeiro durante os últimos cinco anos. Encontrada na costa brasileira, a espécie possui necessidades específicas de sobrevivência, como boa qualidade da água e nutrientes, que, graças ao fenômeno da ressurgência, encontrou em Arraial do Cabo.

Paulo Cordeiro, biólogo e presidente da Lagos em Ação, conta que as condições ambientais da RESEX da cidade cabista são essenciais para o bom andamento do projeto.

“Arraial não tem vieiras, mas é um ambiente formidável para a biodiversidade graças a qualidade da água da reserva ambiental e o fenômeno da ressurgência, que é uma corrente que traz uma água mais gelada e rica em nutrientes como o fitoplancton, o que é essencial para qualquer projeto de maricultura. Hoje, no estado do Rio de Janeiro, nós somos um dos poucos que estão conseguindo cultivar a espécie.”, explicou o biólogo.

Por não serem encontradas nos mares da Região dos Lagos, as sementes das vieiras cultivadas em Arraial do Cabo são produzidas em um laboratório localizado em Angra dos Reis. O município angrense é conhecido como o maior polo de cultivo de vieiras do país e conta com uma produção anual de cerca de 40 mil dúzias da espécie.

Produção

Em teoria, a produção de vieiras tem um ciclo composto por três etapas fundamentais: o plantio das sementes, o acompanhamento e troca das gaiolas – também conhecidas como lanternas – que as abrigam e, por fim, a colheita. Paulo, que também é um dos maricultores responsáveis por acompanhar a evolução da espécie na fazenda marinha, conta que o processo leva cerca de 8 meses para começar a gerar resultados.

“A semente da vieira chega aqui com uns dois meses e o ciclo médio de crescimento, para atingir um tamanho bom para a venda, é de oito meses.”, explicou o biólogo.

Foto: Paulo Cordeiro/ ONG Lagos em Ação

Com um tempo de produção extenso, o bom acompanhamento e qualidade dos equipamentos utilizados no processo são essenciais. Para garantir que tudo aconteça de forma estruturada durante o período, a ONG Lagos em Ação conta com uma equipe composta por biólogos, maricultores e pescadores, além de dispor do apoio da cooperativa de mulheres pescadoras e artesãs da Prainha, a Mupaap, para a confecção das lanternas.

Dentro do abrigo, as vieiras ficam separadas por andares para que a quantidade de animais não atrapalhe o crescimento e o bem estar da espécie. Ao todo, durante o processo de crescimento, a vieira passa por três lanternas: a baby – que possui uma tela com um diâmetro pequeno para evitar a fuga do molusco -, a intermediária e a definitiva.

“Com o tempo, a gente vai aumentando o número e o tamanho das lanternas e diminuindo o número de vieiras por andar para que não haja competição por alimento dentro do ambiente.”, contou Paulo.

Neste mês, o projeto colheu cerca de 8 mil vieiras que serão colocadas à venda. Para a próxima “safra”, a expectativa de Paulo é que 200 mil vieiras sejam coletadas e vendidas. Em média, a dúzia da espécie é vendida por R$50.

Turismo, artesanato e medicina

Além da questão comercial, o trabalho da ONG Lagos em Ação na fazenda marinha da Praia do Forno impulsiona outras áreas, como o turismo sustentável, o artesanato e a medicina.

Desde que começou a ser cultivado, o espaço está aberto para visitas turísticas guiadas para grupos de até 15 pessoas. O passeio custa R$180 por pessoa e possui duração de quatro horas.

“Os interessados em marcar o passeio podem entrar em contato pelas redes da ONG Lagos em Ação. A gente marca o passeio.”, afirmou Paulo.

As outras duas áreas são promovidas através das parcerias com a Mupaap, que recebe os restos de escamas e cascas dos animais da fazenda marinha para serem utilizados na criação de biojóias; e com o Ministério da Saúde, que financia as pesquisas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Instituto Senai de Inovação em Biosintética e Fibras com as vísceras das vieiras para a produção de medicamentos que reduzem células tumorais e o combate a metástases.

Projeto que nasceu do amor

Para Paulo, o Projeto de Maricultura Multitrófica é um sonho que surgiu do amor pelo mar de Arraial do Cabo.

“Esse projeto é de extrema importância para Arraial do Cabo e tem um potencial gigante de continuar inovando. Ele nasceu disso, desse sonho de desenvolver inovações para o meio ambiente e colocar a gestão do mar na mão de quem vive dele. Além da questão comercial das vieiras e do turismo sustentável, o projeto tem auxiliado a gente a promover a educação ambiental. Tem gerado muito trabalho e muita conquista pra gente.”, explicou.

Foto: Paulo Cordeiro/ ONG Lagos em Ação

A realização do Projeto de Maricultura Multitrófica é uma medida compensatória estabelecida pelo Termo de Ajustamento de Conduta de responsabilidade da empresa PRIO, conduzido pelo Ministério Público Federal – MPF/RJ. Assim como o Projeto Embarque, foco da reportagem “Projeto Embarque promove continuidade dos saberes artesanais em Arraial do Cabo e Búzios”, o apoio da PRIO será encerrado neste ano.

“O apoio da PRIO tem sido muito importante para o investimento na maricultura. O edital que ajuda a manter o projeto vai acabar em dezembro, no final do ano, mas a gente está utilizando esse recurso para fazer tudo da maneira mais sustentável possível, para que o projeto consiga se manter sozinho.”, contou o presidente da ONG Lagos em Ação.

Para a conclusão do edital que apoia o projeto, três organizações serão contempladas com uma nova fazenda marinha no município de Arraial do Cabo: a Mupaap e as associações dos Verdadeiros Pescadores e Turismo de Barcos de Bocas Abertas e dos Pescadores de Arraial do Cabo (APAC). A data para a entrega do novo espaço ainda não está prevista.

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